Quase nove anos após o trágico rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, que ocorreu em 5 de novembro de 2015, a mineradora Samarco, uma joint-venture entre a Vale e a BHP Billiton, planeja retomar suas atividades na região. O novo empreendimento, denominado Projeto Longo Prazo, envolve a construção de uma pilha de rejeitos em Camargos e outras intervenções em Santa Rita Durão e Bento Rodrigues, todos distritos de Mariana, e atualmente está em fase de licenciamento ambiental.
A proposta da Samarco foi amplamente debatida em uma reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na segunda-feira, 19 de agosto de 2024. A audiência pública, solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) e presidida pelo deputado Tito Torres (PSD), reuniu representantes das comunidades atingidas, entidades de apoio, autoridades municipais e estaduais. Durante o encontro, prevaleceu o tom crítico ao novo empreendimento da mineradora.
Críticas à Falta de Transparência e Impactos Socioambientais
Bernardo Campomizzi, membro dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Ambiental (Codema) e do Patrimônio Cultural (Compat) de Mariana, expressou a preocupação dos atingidos pela falta de transparência do projeto. Ele destacou que a ampliação da mineração na região ocorre sem um conhecimento claro dos impactos reais que essa atividade pode gerar. “Em Mariana, vemos uma ampliação da mineração, e não é possível prever medidas compensatórias, pois não conhecemos os impactos reais dessa atividade. É urgente que se faça um levantamento completo disso”, afirmou Campomizzi, reiterando a necessidade de estudos abrangentes que considerem a sinergia entre os impactos existentes e os previstos no novo projeto.
Campomizzi também alertou para as consequências diretas do empreendimento, que inclui a supressão de mais de 120 hectares de mata, a construção de uma pilha de estéril de 140 metros de altura e a instalação de uma correia transportadora de minério. Esses processos, segundo ele, aumentarão o tráfego de veículos e a poluição sonora e ambiental, prejudicando ainda mais a qualidade de vida das comunidades próximas.
Preocupações com Patrimônio Histórico e Arqueológico
Alenice Baeta, presidente do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes) e arqueóloga, trouxe à tona os riscos que o novo projeto da Samarco representa para o patrimônio histórico de Santa Rita Durão, onde está localizada uma igreja tombada. Ela explicou que, em caso de colapso da pilha de rejeitos, a massa seca pode descer para o dique, causando uma inundação que ameaçaria o sítio histórico e o Rio Piracicaba. Baeta também destacou a importância de proteger Bento Rodrigues, classificado como sítio histórico e arqueológico, contra a estratégia de despossessão promovida pela mineradora.
Compensação Ambiental e Processos de Licenciamento
Anderson Aguilar, secretário de meio ambiente de Mariana, informou que, como parte do processo de licenciamento, a Samarco ofereceu inicialmente R$ 20 milhões ao município como compensação pelos impactos ambientais. Após uma reavaliação que levou em conta também os impactos sociais, esse valor foi elevado para R$ 80 milhões. Aguilar enfatizou que, apesar da aprovação do projeto com algumas condicionantes, a Secretaria de Meio Ambiente solicitou informações complementares e propôs a criação de uma unidade de proteção integral para a cavidade natural do sítio arqueológico de Mirandinha.
Gustavo Leite, secretário de Cultura de Mariana e presidente do Conselho de Patrimônio Cultural, reforçou o compromisso do conselho em ouvir todas as comunidades atingidas antes de tomar qualquer decisão. Leite também afirmou que os documentos do processo de licenciamento podem ser divulgados na internet para garantir transparência.
Reações da Comunidade e Pressão Política
Os representantes das comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão expressaram forte oposição ao novo empreendimento da Samarco. Mônica Santos, da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, alertou que as terras da comunidade estão sendo usadas como depósito de rejeitos sem qualquer compensação financeira. Mauro da Silva, também da comissão, denunciou as tentativas da mineradora de desmobilizar a comunidade, ressaltando a resistência dos moradores em permanecer na área.
Letícia Faria, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), criticou o fato de a mineração continuar sendo considerada uma atividade rentável, apesar dos danos causados. Ela destacou que a Samarco ainda não pagou integralmente as indenizações e não reparou o meio ambiente, mas busca expandir suas operações.
A deputada Beatriz Cerqueira finalizou a reunião criticando a pressão exercida pela Samarco para a aprovação do projeto, apontando que a mineradora se utiliza da compensação financeira como forma de chantagem. Cerqueira anunciou que apresentará requerimentos para impedir a votação do projeto pelo Conselho de Patrimônio de Mariana em setembro e solicitará a relocação das pilhas de rejeitos e equipamentos de exploração.