A assinatura do Acordo de Repactuação no Palácio do Planalto, nesta quinta-feira (25), marca um novo capítulo no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana (MG). O acordo, envolvendo um valor aproximado de R$ 170 bilhões, foi firmado entre a Samarco, a Vale e a BHP Brasil, juntamente com o governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e uma série de entidades públicas, incluindo os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas Federal e Estaduais.
Mediado pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), o pacto estabelece diretrizes para as futuras ações de reparação e compensação dos impactos socioambientais e socioeconômicos, abrangendo desde a recuperação ambiental até o reassentamento de comunidades e o fortalecimento de políticas públicas nas regiões afetadas.
Do valor total estipulado, aproximadamente R$ 38 bilhões já foram investidos até setembro de 2024 em ações conduzidas pela Fundação Renova, a instituição responsável pela execução de parte das iniciativas de reparação desde o desastre. Segundo o novo acordo, mais R$ 132 bilhões serão destinados a ações futuras, divididos em duas grandes categorias:
- Obrigações de Pagamento (R$ 100 bilhões): Esses recursos serão repassados, ao longo dos próximos 20 anos, para os governos federal e estaduais, além dos municípios que aderirem ao acordo, com o objetivo de financiar ações de políticas públicas nas áreas de saúde, saneamento, infraestrutura, desenvolvimento econômico e apoio social.
- Obrigações de Fazer (R$ 32 bilhões): Sob responsabilidade direta da Samarco, esses fundos financiarão ações específicas de reparação, incluindo indenizações, reassentamento de comunidades e recuperação ambiental ao longo da Bacia do Rio Doce, que sofreu impactos significativos após o rompimento da barragem.
O presidente da Samarco, Rodrigo Vilela, sublinhou o compromisso da empresa com a reparação integral dos danos: “O rompimento da barragem de Fundão é um marco em nossa história, que lamentamos profundamente e jamais será esquecido. O acordo celebrado hoje reforça o compromisso da Samarco e suas acionistas com as pessoas, comunidades e o meio ambiente, e a continuidade da reparação e da compensação dos danos de forma integral e definitiva.”
A formalização do acordo foi fruto de um longo processo de mediação, coordenado pelo TRF-6, que reuniu autoridades federais, estaduais e representantes das comunidades atingidas. Durante as negociações, foram realizadas audiências públicas para ouvir as demandas das comunidades, e as Defensorias Públicas se encarregaram de apresentar formalmente as necessidades dos atingidos.
Para o presidente da Vale, Gustavo Pimenta, o pacto representa uma solução justa e eficaz, reforçando a segurança jurídica para todas as partes envolvidas: “O acordo definitivo permitiu uma resolução mutuamente benéfica para todas as partes em termos justos e eficazes, ao mesmo tempo que criou certeza e segurança jurídica. É o resultado de um processo de mediação de alto nível conduzido pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região, com diálogo aberto e transparência.”
Mike Henry, CEO da BHP Brasil, reforçou o compromisso da empresa em apoiar a Samarco no cumprimento das responsabilidades: “O rompimento da barragem de Fundão da Samarco em 2015 foi uma tragédia que nunca deveria ter ocorrido e jamais deve ser esquecido. Como acionista da Samarco, uma joint venture não operada, a BHP sempre se comprometeu a apoiar a empresa a fazer o que é certo para os brasileiros, comunidades, organizações e ambientes atingidos pelo rompimento da barragem.”
Conclusão de indenizações e reassentamentos
A repactuação do acordo permite também a conclusão do processo de indenização das vítimas e o reassentamento das comunidades afetadas. De acordo com o novo termo, os atingidos que tiveram pedidos de indenização negados, mas que estejam cadastrados ou possuam protocolos de manifestação na Fundação Renova até dezembro de 2021, terão uma última oportunidade para pleitear compensações.
Os reassentamentos de comunidades devastadas pelo desastre também estão próximos da conclusão. Em Bento Rodrigues e Paracatu, 85% das residências e das infraestruturas públicas planejadas já foram concluídas, com supervisão do Ministério Público de Minas Gerais e assessorias técnicas. O reassentamento de Gesteira teve um marco importante em maio de 2023, com a homologação de um acordo coletivo que destinou R$ 126 milhões ao distrito.
O novo acordo também estabelece obrigações específicas para a recuperação ambiental na Bacia do Rio Doce. Entre as ações previstas estão:
- Reflorestamento de 50 mil hectares;
- Recuperação de 5 mil nascentes;
- Restauração de margens e do ambiente aquático ao longo da bacia;
- Saneamento e melhoria da qualidade da água.
Adicionalmente, estudos de viabilidade serão realizados para a retirada de sedimentos na Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga), uma área fortemente impactada, e para o gerenciamento de outras áreas contaminadas. Com essas ações, espera-se não só restaurar o ecossistema da região, mas também garantir um ambiente saudável para as comunidades que dependem das águas do Rio Doce.
Papel da Fundação Renova e a transição para a Samarco
Desde 2016, a Fundação Renova tem coordenado as principais ações de reparação, com um total de R$ 38 bilhões já investidos. Esse valor foi direcionado a indenizações, assistência financeira e intervenções ambientais, incluindo a recuperação de 38 mil hectares de terra e a restauração de 2.600 nascentes. A partir deste novo acordo, a responsabilidade direta pela continuidade dessas ações será gradualmente transferida para a Samarco, que assumirá a execução e a coordenação das iniciativas ainda em andamento.
Para os próximos anos, a Fundação Renova seguirá como parceira de transição, permitindo que as ações sejam transferidas de forma estruturada, sem comprometer o andamento das obras e das iniciativas de compensação.
O novo Acordo de Repactuação também encerra diversos processos judiciais abertos em decorrência do desastre, o que, além de garantir maior segurança jurídica, permite que as empresas envolvidas concentrem seus recursos na execução de ações diretas de reparação e compensação. Ao longo dos próximos 20 anos, os investimentos na bacia do Rio Doce e nas regiões afetadas pela tragédia deverão impulsionar a economia local, promovendo o desenvolvimento socioeconômico.
O cumprimento integral do acordo, com investimentos em infraestrutura, saúde e recuperação ambiental, é visto como um passo essencial para restaurar a confiança das comunidades impactadas e do público em geral. O processo busca transformar a memória do desastre em um esforço contínuo de resiliência e reconstrução.
Relembre a tragédia do rompimento da barragem de Fundão
Na tarde de 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, localizada no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), sofreu um rompimento catastrófico, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A estrutura, operada pela Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP Billiton, continha resíduos da extração de minério de ferro, incluindo metais pesados e substâncias tóxicas. A força da lama devastou comunidades, contaminou o Rio Doce e causou impactos ambientais e socioeconômicos profundos, se tornando um marco trágico na história do país.
O desastre teve consequências trágicas para as comunidades locais, principalmente para o povoado de Bento Rodrigues, onde o fluxo de rejeitos de minério chegou a uma velocidade incontrolável, destruindo residências e ceifando vidas. Ao todo, 19 pessoas perderam suas vidas, incluindo funcionários da Samarco e moradores da região. As comunidades ribeirinhas e próximas à barragem viram suas vidas desmoronarem em poucos minutos, enquanto tentavam escapar do avanço da lama tóxica.
Milhares de famílias foram desabrigadas e perderam tudo o que possuíam. O rompimento da barragem destruiu casas, igrejas, escolas e estabelecimentos comerciais, apagando a história e a identidade de Bento Rodrigues e outras localidades próximas. A evacuação de moradores e o realocamento em abrigos temporários foram organizados de maneira emergencial, mas a adaptação a uma nova vida fora de suas comunidades ainda permanece um desafio para muitos.
Após o rompimento, a enxurrada de rejeitos desceu pela encosta e percorreu cerca de 650 quilômetros, contaminando o Rio Doce e impactando severamente o ecossistema local. O rio, um dos mais importantes cursos d’água do Brasil, teve sua vida aquática praticamente dizimada, com a mortandade de peixes e outros organismos aquáticos que dependiam das águas para sobreviver. Manguezais, nascentes e áreas de proteção ambiental foram afetados, e as consequências para a biodiversidade foram irreversíveis em alguns locais.
A lama de rejeitos, ao se espalhar pelo leito do Rio Doce, formou um “mar de lama” que chegou até o oceano Atlântico, na costa do Espírito Santo, causando um impacto ambiental sem precedentes. Espécies nativas da fauna e flora foram fortemente prejudicadas, e algumas delas correm risco de extinção. Além disso, a lama contaminou o solo e as águas, tornando-as impróprias para consumo humano, irrigação e até para o contato direto.
A tragédia trouxe um impacto profundo para as populações locais, principalmente para as comunidades indígenas, ribeirinhas, agricultores e pescadores que dependiam do Rio Doce para sua subsistência. A perda de recursos hídricos e a contaminação do solo afetaram diretamente a economia local, inviabilizando atividades de agricultura e pesca, fundamentais para a região.
A situação das comunidades indígenas, como os Krenak, foi particularmente difícil. Essas populações têm uma relação cultural e espiritual com o Rio Doce, que chamam de “Watu”. Para os Krenak, a destruição do rio não foi apenas uma perda econômica, mas também um golpe em sua identidade e em suas tradições ancestrais. A tragédia transformou suas vidas, desintegrando laços com o ambiente e colocando em risco a continuidade de suas práticas culturais.
A crise também impactou setores econômicos maiores, como a mineração, que tem forte presença na economia de Minas Gerais e do Espírito Santo. O desastre trouxe à tona a necessidade urgente de revisar práticas operacionais e padrões de segurança em empreendimentos minerários. Além disso, empresas e famílias viram-se envolvidas em processos judiciais complexos, muitos dos quais seguem em tramitação até hoje.
A Samarco, operadora da barragem, e suas acionistas, Vale e BHP Billiton, foram alvo de ações civis e penais movidas pelo Ministério Público e outros órgãos. Inicialmente, as empresas firmaram o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) em 2016, que criou a Fundação Renova, responsável por coordenar as ações de reparação e compensação. A fundação recebeu o encargo de atuar na recuperação ambiental, reassentamento e indenização das comunidades afetadas.
Contudo, a resposta inicial foi amplamente criticada por sua lentidão e falta de comunicação adequada com as comunidades atingidas. Os reassentamentos das localidades destruídas, como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, levaram anos para serem iniciados. A insatisfação e a descrença nas medidas de reparação foram uma constante entre os atingidos, e muitos deles ainda se sentem desassistidos e excluídos das decisões sobre suas próprias vidas.
A Fundação Renova e as ações de reparação
A criação da Fundação Renova teve como objetivo centralizar e coordenar os esforços de reparação. Desde sua formação, a entidade realizou uma série de ações, como o pagamento de indenizações e a restauração ambiental, mas enfrentou diversos desafios e controvérsias. Até setembro de 2024, a fundação havia alocado cerca de R$ 38 bilhões em reparações, incluindo o reassentamento de comunidades e a recuperação de áreas ambientais.
Entre as iniciativas da Renova estão a restauração de mais de 38 mil hectares de área e a recuperação de cerca de 2.600 nascentes, além de investimentos em saneamento básico para melhorar a qualidade da água da bacia do Rio Doce. Ainda assim, a complexidade e a magnitude da tragédia deixaram muitos atingidos insatisfeitos com o ritmo das ações, exigindo uma revisão do acordo inicial.