Análise linguística: agosto rima com desgosto?

por João Paulo Silva

A expressão “agosto, mês do desgosto” é um exemplo interessante de como a língua e a cultura se entrelaçam, criando ditados populares que refletem crenças, emoções e experiências coletivas.

Análise linguística agosto rima com desgosto
Crédito: Depositphotos

Neste artigo, proponho uma análise das raízes linguísticas e culturais dessa expressão, examinando sua estrutura fonética, semântica e a função sociolinguística que desempenha no contexto brasileiro.

A rima entre “agosto” e “desgosto” é um exemplo de “rima perfeita”, onde os sons finais das palavras são idênticos. Essa similaridade sonora é a base da rima e contribui para a memorização e popularidade da expressão.

“Agosto” é um substantivo masculino que designa o oitavo mês do ano. Sua estrutura sonora apresenta um ditongo decrescente e sua origem remonta à Roma Antiga. Já a palavra  “desgosto” é um substantivo que denota tristeza ou insatisfação.

A justaposição dessas duas palavras cria um contraste entre um termo neutro ou positivo (um mês do ano) e um termo com conotação negativa (desgosto). Esse contraste semântico é um dos fatores que torna a expressão impactante e memorável.

É relevante mencionar que, segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os meses do ano perdem a inicial maiúscula: agosto. Curiosamente, o oitavo mês do ano, agosto, retirou seu nome do imperador César Augusto.

O século de Augusto, o quinto antes de Cristo, também chamado de Século de Ouro de Atenas, foi um período marcado por um desenvolvimento sem precedentes nas áreas artística, política e cultural, transformando a cidade em um centro intelectual e artístico da Grécia Antiga.

E ainda houve Mecenas, cuja generosidade para com os artistas e escritores o tornou um modelo de patronato, fazendo com que seu nome fosse associado para sempre aos protetores das artes e das letras.

A associação entre o mês de agosto e sentimentos de desgosto tem raízes culturais e históricas. Em várias culturas, agosto é visto como um mês de mudanças climáticas significativas, transições sazonais e, em alguns casos, eventos históricos negativos.

No Brasil, essa percepção pode ser reforçada por acontecimentos históricos específicos ou pela influência de culturas europeias, onde agosto também pode ter conotações negativas. É algo parecido com o que ocorre com a expressão “sexta-feira 13”, que está associada a infortúnios e superstições.

Do ponto de vista sociolinguístico, expressões como “agosto, mês do desgosto” servem como meios de expressar sentimentos compartilhados, reforçar laços culturais e oferecer uma forma sucinta de transmitir emoções, mesmo que complexas. Além disso, essas expressões são frequentemente usadas em contextos literários e musicais, enriquecendo a linguagem e a cultura popular.

A percepção e o uso dessa expressão podem variar regionalmente e ao longo do tempo. Em algumas regiões do Brasil, outros meses podem ser associados a diferentes sentimentos ou eventos históricos, resultando em variações locais da expressão. Além disso, com a evolução da linguagem e das percepções culturais, a popularidade e o uso de tais expressões podem mudar.

Como forma de relembrar o belo dentro do mês de agosto, temos haicais (hai: brincadeira, gracejo; e kai: harmonia, realização – tipo de poema de origem japonesa) que exaltam suas belezas naturais:

  • “Ipê roxo
  • desmente sozinho
  • o mês de agosto.”
  • – Norma Shirakura
  • “Camisas alegres
  • gangorram agosto
  • no varal.”

– Yeda Prates Bernis

As superstições, embora pareçam inofensivas, podem ter um impacto negativo em nossas vidas. Ao nos prendermos a crenças limitantes, como as relacionadas a determinados meses ou datas, restringimos nossas possibilidades e impedimos nosso crescimento pessoal.

A ideia de associar um mês a um sentimento, especialmente o negativo, pode ser interessante do ponto de vista metafórico, mas é importante mudarmos nossa forma de pensar sobre o mês de agosto, por exemplo, e iniciar um processo de libertação de crenças errôneas e desnecessárias.

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João Paulo Silva
João Paulo Silva, nascido em Barueri/SP e bacharel em Letras pela Universidade Estácio de Sá, é atualmente pós-graduando em Revisão de Texto pela PUC Minas.
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