Harlequin: a versatilidade e a rebeldia de Lady Gaga

Personificação de 'Harley Quinn', no filme 'Joker: Folie à Deux', parece ter desencadeado uma nova fase criativa na carreira da artista

por Rafael Bomfim

Lady Gaga, ou Stefani Germanotta – para os mais íntimos, sempre se destacou por sua versatilidade e audácia artística. Desde sua estreia em 2008 com o álbum The Fame, Gaga rapidamente se tornou um ícone da música pop, famosa por suas performances teatrais e interpretações musicais. Gaga também se destacou em Hollywood, por sua atuação no seriado American Horror Story e no remake do filme “A Star Is Born” (2018), pelo qual recebeu um Oscar de Melhor Canção Original.

Harlequin a versatilidade e a rebeldia de Lady Gaga
Lady Gaga em foto do álbum 'Harlequin' - Crédito: Divulgação

No entanto, foi sua personificação de Harley Quinn, no filme Joker: Folie à Deux, que parece ter desencadeado uma nova fase criativa na carreira da artista, culminando no álbum Harlequin, uma obra que nasceu da complexidade e imprevisibilidade de sua personagem.

O álbum Harlequin surgiu como um complemento ao papel de Lady Gaga como Harley Quinn, também conhecida como Arlequina. Como Gaga declarou em várias entrevistas, interpretar Quinn a inspirou profundamente, a ponto de desejar criar uma trilha sonora que refletisse a natureza volátil e multifacetada de sua personagem. 

Em entrevista à Apple Music, Gaga disse: “Se eu quiser que seja blues, será blues. Se eu quiser que seja funk, será funk. Se eu quiser que seja soul, será soul.” E assim, Harlequin se destaca por suas escolhas estilísticas que remetem tanto à tradição do jazz quanto ao frenesi e à anarquia associados a Harley Quinn.

Harlequin vai muito além do que se espera de uma trilha sonora tradicional, o álbum explora as complexidades emocionais de Quinn, através de uma fusão ousada de gêneros como jazz, blues e cabaré. 

O álbum abre com “Good Morning”, uma reinterpretação do clássico imortalizado por Judy Garland e Mickey Rooney. Gaga começa de forma sutil, com um tom de inocência, mas rapidamente mergulha em sua marca registrada: interpretações teatrais e expansivas. A canção prepara o palco para o que está por vir.

“Get Happy (2024)”, outra faixa clássica, recebe uma atualização com guitarras distorcidas e arranjos inesperados. Gaga consegue preservar a essência alegre da versão original, mas incorpora uma imprevisibilidade que reflete a instabilidade emocional de Harley Quinn.

“Oh, When The Saints”, é uma versão ousada do hino espiritual, onde o blues se encontra com o rock, fazendo referência ao espírito livre e rebelde de Quinn. O uso de guitarras e a abordagem crua da faixa criam uma atmosfera que é familiar e perturbadora, ao mesmo tempo.

Um dos destaques do álbum é “The Joker”, nela Gaga revisita a música de Shirley Bassey de 1968 com uma interpretação poderosa e profundamente visceral. O arranjo de rock, impulsionado por guitarras fortes, dá à faixa uma intensidade que encapsula o caráter caótico de sua persona.

O álbum também apresenta duas faixas originais que capturam ainda mais o espírito de Harley Quinn. “Folie à Deux”, com sua atmosfera de valsa orquestral e uma performance vocal que flutua entre diferentes tons, espelha a volubilidade de Quinn, transparecendo o dinamismo e a volatilidade da personagem. A música é rica em nuances, e sua estrutura complexa confere ao álbum um toque de sofisticação.

“Happy Mistake” é uma das músicas mais introspectivas do álbum. Gaga explora sua vulnerabilidade tanto no vocal quanto na letra, enquanto narra o processo de fragmentação psicológica de Quinn. “Minha cabeça está cheia de espelhos quebrados”, canta Gaga, em uma alusão direta ao estado mental instável de sua personagem. A música começa de forma frágil, mas cresce em intensidade, refletindo a jornada emocional de Quinn.

Lady Gaga já havia mostrado sua afinidade com o jazz em álbuns anteriores, como Cheek to Cheek e Love for Sale, em colaboração com Tony Bennett. Em Harlequin, essa influência é perceptível em faixas como “That’s Entertainment” e “I’ve Got the World on a String”, onde Gaga mantém a tradição do jazz, mas sempre adicionando sua marca pessoal. O toque de cabaré, característico de suas performances ao vivo em Las Vegas, também está presente, destacando-se em números como “That’s Life”, que fecha o álbum de maneira grandiosa e melodramática.

Por outro lado, versões mais suaves, como “Smile” e “Close to You”, não atingem a mesma intensidade emocional de suas versões originais. “Close to You”, por exemplo, não consegue captar completamente a vulnerabilidade da interpretação de Karen Carpenter, e a performance de Gaga, embora tecnicamente impecável, carece da delicadeza que a canção exige. 

O álbum é permeado pela dualidade entre Lady Gaga e Harley Quinn, onde a linha entre artista e personagem é frequentemente borrada. Faixas como “If My Friends Could See Me Now”, que começa de forma contida para depois explodir em uma performance exuberante, exemplificam essa fusão. Gaga consegue canalizar a anarquia emocional de Quinn, ao mesmo tempo em que explora sua própria teatralidade e poder vocal.

Harlequin é um álbum que, em grande parte, se destaca por sua originalidade e pela forma como Lady Gaga abraça plenamente a natureza de sua personagem. A mistura de clássicos do jazz e blues com as excentricidades de Harley Quinn cria uma atmosfera que é, ao mesmo tempo, deslumbrante e inquietante. Embora algumas faixas possam carecer de sutileza, o álbum é uma vitrine do talento vocal de Gaga e de sua capacidade de mergulhar profundamente em personagens e narrativas complexas.

Harlequin não é apenas um tributo à loucura e imprevisibilidade de Harley Quinn, mas também um lembrete do absurdo talento de Lady Gaga, como intérprete. 

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Rafael Bomfim
Rafael Bomfim é um comunicador, com formação técnica em Administração e Recursos Humanos.