Categoria: Música

  • Analisando o “O Canto das Três Raças”, eternizada na voz de Clara Nunes

    Analisando o “O Canto das Três Raças”, eternizada na voz de Clara Nunes

    Uma das canções que mais expressam a identidade do povo brasileiro é “O Canto das Três Raças”, eternizada na voz de Clara Nunes. A canção une três tempos da história do país, traçando um paralelo com o atual.

    Assinada em 1861, a Lei do Ventre Livre previa que a criança de toda mulher escravizada seria livre, ficando sob a tutela do dono da mulher escravizada até completar oito anos de idade. Então esse dono tinha duas opções: entregar a criança para a tutela do estado e receber uma compensação em troca, ou ficar com a criança até os 21 anos de idade, com o direito de usufruir da mão de obra da mesma até que ela completasse tal idade. 

    Apesar de absurda para os tempos atuais, a Lei do Ventre Livre garantia o gradual e lento fim da escravidão no Brasil.

    Mas o que essa lei tem haver com a música, redatora? Talvez você esteja se perguntando. A canção “O Canto das Três Raças”, escrita por Paulo César Pinheiro, musicada por Mauro Duarte e gravada por Clara Nunes em 1976 narra uma longa tentativa do povo brasileiro de tentar se libertar das amarras dos poderosos.

    Vamos por partes para termos uma maior compreensão. Na primeira estrofe da música temos “Ninguém ouviu, um soluçar de dor, no canto do Brasil”. Essas frases são interessantes pois podem se referir ao verbo cantar, logo, “no canto do Brasil” ou a indicação de solidão e desprezo, colocando a palavra canto no substantivo como aresta, ponta, um local solitário e triste em que alguém estivesse soluçando de dor. Então, substituindo teríamos “Ninguém ouviu, um soluçar de dor nas arestas do Brasil”, o que nos faz pensar “o que teria nessas arestas, nesses locais isolados, nos cantos do Brasil?” Profundo, não?

    Continuamos analisando essa letra para encontrarmos mais dicas do que pode se tratar. Na segunda estrofe podemos encontrar uma chave, veja.

    Um lamento triste sempre ecoou, desde que o índio guerreiro, foi pro cativeiro e de lá cantou”. Então já conseguimos entender de que “canto” se tratava a primeira estrofe, o canto dos desprezados, dos humilhados, dos sequestrados, daqueles que tiveram suas culturas e seus corpos subtraídos e foram lançados ali em um canto do Brasil, em um cativeiro, como se não tivesse alma, como se não fossem seres humanos.

    Se pensarmos que quando o Brasil foi colonizado, já existiam aqui os povos originários, os nativos, os índios, entendemos que o compositor está falando desses povos. Mas não é tão simples de se compreender, pois o letrista foi específico, ele não escrevei índios no plural e sim “Índio Guerreiro“, no singular, um forte indicativo de que a letra se trata das Guerras Guaraníticas.

    Sabemos que quando os europeus “descobriram” as américas, a América do Sul foi dividida em duas partes, sendo que uma fazia parte da Coroa Portuguesa e outra da Espanha, por isso se fala português e espanhol aqui em “bajo”, é o famoso Tratado de Tordesilhas. Como todavia os portugueses gostavam de se apropriar de cada vez mais territórios afim de estabelecer seu poder no máximo de extensão territorial o possível, eles invadiram uma terra que fica de frente para Buenos Aires, na Argentina e claramente pertencia à Espanha, os portugueses batizaram o local como Colônia do Sacramento, onde permaneceram por 70 anos, até que a Coroa Espanhola não aceitou mais.

    A Coroa Portuguesa pediu em troca de sair das terras dos espanhóis, os sete povos das missões, esses povos das missões eram compostos por 30 povos diferentes que viviam onde hoje é o Rio Grande do Sul, Argentina, Uruguai e um pedaço do Paraguai, um desse lugares é um canto do Brasil. Esse combinado é chamado de “Tratado de Madri”. Bom, todo mundo ficou feliz, só tinha um detalhe “pequeno”, ninguém consultou os 30 povos guaranis sobre sua vontade de deixar suas terras e obviamente eles não aceitando, atacaram uma comissão formada por portugueses e espanhóis que estavam ali para demarcar as terras. Na ocasião, os índios mataram cerca de 230 europeus.

    Portugal reagiu e contra-atacando com o seu exército, iniciou-se então as guerras Guaraníticas. Os povos guaranis tinham como líder Sapé Tiaraju, que ao invés de bolar uma estratégia de guerra, preferiu enfrentar o exército português de frente. Ele teve o cavalo derrubado, foi atingido por uma lança e levado em cativeiro, onde ficou preso, foi torturado até a morte. Pelo menos 1.500 índios morreram neste confronto.

    Acontece que Sepé Tiaraju virou mártir, um heróis. Até os dias atuais ele é tido como um santo, São Sepé, no Rio Grande do Sul. Com muitas histórias e mitos sobre sua vida, depois de executado Sepé também recebeu o nome é Índio Guerreiro. Simmm, este mesmo que está na música de Clara Nunes. Uauuu, né!!

    Acho que conseguimos desvendar uma das “Três Raças” da música. Vamos seguindo para a terceira estrofe. “Negro entoou um canto de revolta pelos ares, no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou“. Primeiramente precisamos compreender o significado de quilombo, que é esconderijo na mata, era onde as pessoas negras que foram escravizadas no Brasil e tentavam fugir daquela cruel realidade se escondiam. Os quilombos sempre existiram, desde o descobrimento do Brasil por Portugal, pois sempre houveram pessoas negras que não aceitavam se submeter ás vontades e castigos de outras pessoas que pensavam terem o direito de possuir outros seres humanos somente por causa do da cor de suas peles.

    Pois bem, quilombo então sempre existiu, mas o Quilombo dos Palmares foi notoriamente um dos mais importantes, pois foi onde nasceu o Zumbi dos Palmares, um dos principais representantes da resistência negra à escravidão na época e pela liberdade de culto religioso e prática da cultura africana no Brasil. A figura de Zumbi é tão importante que o dia da Consciência Negra é a data de sua morte, que aconteceu em 1695.

    Zumbi dos Palmares foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas. Localizado em Maceió, no estado de Alagoas, outro canto do Brasil. Então esse verso da música “O canto das Três Raças”, fala sobre a história de luta dos negros que foram trazidos de países africanos para serem escravizados no Brasil.

    Sigamos, “Fora a luta dos inconfidentes, pelas quebras das correntes, nada adiantou“. Sintetizando, essa é uma história bastante conhecida e lecionada nas escolas. Além dos povos índios e negros tentarem se libertar do domínio europeu, brasileiros também tentaram. O movimento da inconfidência mineira aconteceu em cidades como Ouro Preto. Ele teve como líder e mártir Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes. Depois da descoberta das riquezas naturais na região dos Inconfidentes, sobretudo o ouro. A Coroa Portuguesa acreditava que o ouro de Ouro Preto, Mariana e região era eterno, houve um período de intensa extração chamado pelos historiadores de “Ciclo do Ouro “. Com o passar do tempo o ouro começou a acabar.

    Obviamente os impostos que os extratores de ouro para Portugal começou a diminuir. Nesse mesmo período, um grupo de burgueses se reuniram para tentar se livrar do império português e implementar um sistema republicano. Só que a Coroa descobriu, prendeu todos os envolvidos, chamados de conspiradores. Mas como matar todos seria um escândalo, eles fizeram um trato, absorver todo mundo e executar apenas um, este seria o exemplo para que as conspirações não se repetisse. Tiradentes foi o escolhido. Ele foi esquartejado, as partes do seu corpo foram distribuídas por diversas cidades, expostas, para servir de lição e impor medo em quem pretendesse planejar algo parecido.

    Parte dos inconfidentes também pleiteavam a abolição da escravatura. Então eles queria uma política republicana sem escravatura, mas não eram todos que concordavam com a parte da abolição da escravatura, embora a maioria sim. Então esse trecho música trata desta parte mais especificamente, dos brasileiros tentando emancipação e na busca pela liberdade dos negros escravizados.

    E de paz em paz, de guerra em guerra, todo o povo desta terra quando pode cantar, canta de dor“. Recordando essas três guerras, que aconteceram em períodos cronológicos diferentes e associando-as a esse esse trecho da música, compreendemos que de tempos em tempos o Brasil precisa se libertar de alguma amarra. Os grilhões se renovam e a vontade do ser humano de oprimir seus semelhantes se redesenha, seja através do palpável ou do impalpável, como as redes sociais.

    Para finalizar temos “e ecoa noite e dia, é ensurdecedor, ai, que agonia, o canto do trabalhador, esse canto que devia, ser um canto de alegria, soa apenas, como um soluçar de dor“. Aqui a letra trata dos brasileiros mais contemporâneos (a época de Clara Nunes e até os dias atuais), que taralham dia a dia e são oprimidos pelo capitalismo selvagem. Aquelas pessoas cujo os seus corpos servem à grandes empresas, aos magnatas desta terra, mas ao final de semana não conseguem rendimentos nem para levar suas crianças para um passeio. Não conseguem, com seus “salários de fome” conquistar bens, formar seus filhos ou viajar. A escravidão foi abolida no papel, mas muitos ainda são escravos da sobrevivência.

    Relembre a canção “O Canto das Três Raças”, interpretada por Mariene de Castro.

  • Analisando a letra de “Saiba”: como Arnaldo Antunes usa a música para desconstruir hierarquias e celebrar a igualdade

    Analisando a letra de “Saiba”: como Arnaldo Antunes usa a música para desconstruir hierarquias e celebrar a igualdade

    “Saiba”, brilhantemente composta por Arnaldo Antunes, é sobre a igualdade entre pessoas, independentemente de fama, poder ou status. Unindo figuras históricas como Einstein, Platão e Nietzsche com indivíduos comuns, a música nos lembra de uma origem e experiências universais compartilhadas, destacando o medo e a mortalidade, realidades que igualam a todos.

    Esta obra-prima da música brasileira questiona a hierarquia social. Ao citar personalidades históricas e figuras controversas, a música mostra que, independentemente de realizações, todos compartilham uma origem e um destino comum. A comparação entre grandes homens e indivíduos comuns reforça a ideia de igualdade fundamental.

    Para entender “Saiba”, procurei aplicar teorias da argumentação no discurso, como as de Egg (2005) e Amossy (2007). Antunes usa argumentos na canção para sustentar suas ideias, revelando um ethos discursivo, mesmo inconscientemente, que cativa quem ouve a canção.

    A linguagem de “Saiba” é rica em signos e símbolos que constroem os sentidos do texto. A união entre argumentação e análise do discurso, conforme Ruth Amossy, é essencial para entender como a música transmite uma mensagem profunda sobre igualdade humana.

    Lançado em 2003, “Saiba” faz parte do sexto e homônimo álbum de Arnaldo Antunes, refletindo a complexidade de suas letras e destacando sua sonoridade peculiar. A faixa-título ganhou uma versão por Adriana Calcanhotto no projeto “Adriana Partimpim”. Gravado no Estúdio 304, no Rio de Janeiro, o disco foi produzido por Antunes e Chico Neves, e lançado pela BMG.

    A letra causa um arrepio na espinha, mas também traz uma sensação de alívio ao nos lembrar que, apesar das diferenças aparentes, todos compartilhamos as mesmas vulnerabilidades e experiências humanas, destacando experiências universais como infância, medo e mortalidade.

    Arnaldo Antunes utiliza a linguagem para nos lembrar da humanidade em sua essência comum, desafiando noções de superioridade e valorizando a universalidade da experiência humana.

  • A sensibilidade poética de Alaíde Costa na canção ‘Foi só porque você não quis’

    A sensibilidade poética de Alaíde Costa na canção ‘Foi só porque você não quis’

    Há instantes em que o universo conspira e uma inspiração divina nos toca, possibilitando-nos criar obras-primas. Assim, os planetas se alinharam para que Alaíde Costa nos presenteasse com seu mais recente álbum, “E o tempo agora quer voar“. Produzido por Marcus Preto, Pupillo e Emicida, este trabalho é uma jornada rica em imagens e sensações.

    Uma das faixas que mais se destaca é “Foi só porque você não quis”, composta por Alaíde Costa, Emicida e Caetano Veloso. A letra, repleta de metáforas e simbolismos, evoca um universo pessoal e introspectivo, mesclado a elementos do cotidiano e da fantasia. É um reflexo da capacidade de Alaíde Costa de capturar emoções com uma sensibilidade única.

    Um desses temas autobiográficos abre o álbum. Alaíde conta que, quando preparava seu LP “Coração” (1976), ela e Milton Nascimento, produtor daquele trabalho, foram à casa de Caetano Veloso atrás de uma canção inédita. Acontece que não atentaram a um dos hábitos mais conhecidos do compositor e chegaram em seu endereço logo cedo, pela manhã. Desde sempre, Caetano nunca sai da cama antes do meio da tarde. Acabaram desistindo de esperar e foram embora sem a música. Tempos depois, num encontro casual, Caetano comentou: “Alaíde, pena que eu não entrei no seu coração”. A resposta veio rápida: “Não entrou porque não quis”. A partir dessa história, Emicida criou, junto com Alaíde, os versos que depois ganharam melodia de Caetano Veloso. Vale notar que “Foi só porque você não quis”.

    A canção evoca um sentimento de infância e nostalgia através de referências a bandas marciais, cataventos, algodão doce e fogos de artifício. Esses elementos trazem à tona memórias de um tempo marcado pela inocência e pela alegria, momentos em que a vida era simples e cheia de pequenas maravilhas. A letra nos convida a revisitar esses tempos de pureza, lembrando-nos da importância de manter viva essa parte de nós mesmos.

    A metáfora da flor que vence o cimento é uma das imagens mais poderosas na letra de Alaíde Costa. Simboliza a resiliência e resistência da vida e a capacidade de superar obstáculos, não importa quão insuperáveis possam parecer. O vento e o aroma de anis são invocações à paz e à serenidade, elementos que oferecem um contraponto calmante ao tumulto da vida moderna. Juntos, eles pintam um quadro de esperança e renovação.

    O verso repetido “Se você não entrou no meu coração / Foi só porque você não quis” é um lamento de amor não correspondido. A repetição sublinha a dor e a frustração de um sentimento que não encontrou reciprocidade. Este tema ressoa com qualquer um que já tenha experimentado a vulnerabilidade do amor.

    Frases como “eterna aprendiz” e “pai grande sempre atento” sugerem um processo contínuo de desenvolvimento pessoal e a importância das relações familiares. Alaíde Costa reconhece que o aprendizado nunca cessa e que as figuras paternas ou de orientação são cruciais nesse processo. Essa perspectiva de crescimento contínuo é um lembrete de que estamos sempre em evolução, moldados por nossas experiências e relacionamentos.

    A artista também utiliza sua música como uma forma de arte proporcionando uma reflexão sobre o próprio processo criativo e a busca incessante pela beleza. Ela nos mostra que a arte é uma jornada de expressão pessoal, onde cada nota e palavra é uma manifestação de emoção e pensamento.

    A sonoridade de “E o tempo agora quer voar” é uma fusão de elementos da música popular brasileira com influências de outros gêneros. Os arranjos e melodias complementam perfeitamente a profundidade das letras. A voz de Alaíde Costa, carregada de emotividade e expressividade, transmite a intensidade dos sentimentos explorados na canção, tornando cada audição uma experiência única e profunda.

    “E o tempo agora quer voar” é uma coleção de reflexões que capturam a essência da experiência humana. Alaíde Costa nos oferece um vislumbre de seu universo pessoal, convidando-nos a explorar nossas próprias memórias, esperanças e questionamentos.

    “Foi só porque você não quis” abre o álbum como um baú de memórias tocando o coração de quem já vivenciou a dor de um amor não correspondido e sente a nostalgia de um tempo que, infelizmente, não volta mais. A sinceridade e a vulnerabilidade com que Alaíde Costa interpreta fazem desta faixa uma das mais marcantes do álbum.

    Ouça:

  • ‘E o tempo agora quer voar’: o novo álbum de Alaíde Costa, ícone da música brasileira

    ‘E o tempo agora quer voar’: o novo álbum de Alaíde Costa, ícone da música brasileira

    Alaíde Costa, a voz suave e marcante que marcou gerações, retorna aos holofotes com o lançamento do álbum “E o tempo agora quer voar”.

    Neste novo trabalho, a cantora carioca celebra sete décadas de carreira, reafirmando seu lugar como um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira.

    Nascida e criada no subúrbio carioca, Alaíde Costa é uma das protagonistas do início da Bossa Nova. Com uma voz inconfundível e um repertório eclético, a artista conquistou o público com sua interpretação única e marcante.

    Ao longo de sua carreira, colaborou com grandes nomes da música brasileira, como Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto.

    O novo álbum, segundo volume da trilogia “O que os meus calos dizem sobre mim”, é uma celebração à vida e à música. Composto por oito faixas, o disco traz a marca registrada de Alaíde: melodias suaves, letras poéticas e uma interpretação impecável.

    Uma das faixas que mais chama a atenção é “Foi só porque você não quis”, uma parceria de Caetano Veloso com Emicida.

    A canção carrega uma história curiosa: há 50 anos, Alaíde e Milton Nascimento tentaram conseguir uma música de Caetano para um álbum, mas não tiveram sucesso. Anos depois, esse desejo se concretiza de forma emocionante, com uma letra que fala sobre amor, saudade e a passagem do tempo.

    O álbum “E o tempo agora quer voar” é um convite à reflexão sobre o tempo, a vida e a música. As letras, escritas por nomes como Caetano Veloso, Marisa Monte e Nando Reis, abordam temas universais e atemporais. A produção musical, assinada por Emicida, Marcus Preto e Pupillo, confere ao álbum um som moderno e vibrante, sem perder a essência da música brasileira.

    Alaíde Costa é mais do que uma cantora: ela é um ícone da cultura brasileira. Sua voz, sua história e sua obra inspiram novas gerações de músicos e amantes da música. Com o lançamento deste novo álbum, a artista reafirma sua importância para a MPB e nos presenteia com mais um capítulo de sua brilhante trajetória espetacular, mostrando que sua voz continua a encantar e emocionar a todos.

    Ouça o álbum:

  • Reconvexo: uma reflexão musical e cultural de Caetano Veloso

    Reconvexo: uma reflexão musical e cultural de Caetano Veloso

    Não é novidade que Caetano Veloso escreveu o clássico da música brasileira “Reconvexo” para sua irmã e também cantora Maria Bethânia gravar. O que pouca gente sabe é que essa canção, assim como tantas outras de Caetano, traz enigmas e críticas a serem decifrados.

    Neste artigo, vamos iniciar uma análise sutil sobre essa música tão importante para a cultura do Brasil. Começamos falando sobre o nome: Reconvexo. O próprio nome da canção já é uma crítica; Caê (para os íntimos) quis se expressar no sentido de visão de mundo, e principalmente acerca do Brasil, pois existem pessoas que enxergam situações sob uma lente côncava (do interior de um círculo), e outras sob uma lente convexa (do lado de fora do círculo). Mas Caetano não para por aí, ele coloca o “re” antes das palavras e as resignifica, reinventa, tanto que essa palavra Reconvexo não existe no vocabulário português. Entretanto, Caê a cria para explicar que existem pessoas que, além de não conseguirem enxergar nem o interior e nem o exterior das outras pessoas ou situações, jamais conseguiriam ter uma visão mais ampla.

    Musicalmente falando, Reconvexo é bem rítmica, tem arranjos e a malemolência do samba baiano de Caetano.

    O autor já começa bagunçando tudo: “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma”. Caetano aqui fala sobre a impetuosa chegada de Bethânia em algum lugar, uma mulher que já chega causando muita confusão, mas também faz menção ao Brasil, principalmente à dificuldade do país em manter tudo nos seus devidos lugares em decorrência da pluralidade. Justamente nesta ocasião, Caetano estava em Roma. “Compus para Bethânia gravar. Eu estava em Roma quando um dia acordei e vi os carros empoeirados, todos cobertos de areia”, disse Caetano Veloso sobre o processo de criação de Reconvexo para Sobre as Letras (página 62).

    Na ocasião, Caetano se encontrava desconfortável em relação às críticas escritas pelo jornalista carioca Paulo Francis, que morava em Nova Iorque e escrevia para um jornal de lá de forma negativa sobre o Brasil e o comportamento da sociedade brasileira, políticos, intelectuais, enfim, de uma forma geral, seus textos eram destrutivos para a imagem do país. Caetano então começa a desfilar as riquezas do país em sua letra e, em paralelo, fala sobre a sereia, uma figura que faz parte do folclore do país: “Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara, água e folha da Amazônia”.

    “Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra”. Nesse trecho da letra, Caetano fala de profundas raízes afro-baianas. Uma religiosa chamada Aninha de Afonjá chamava a Bahia de Roma Negra por volta de 1930, por encontrar ali uma concentração de negros muito grande, como se a Bahia fosse uma capital de negros fora da África.

    “Você não me pega, você nem chega a me ver, meu som te cega, careta, quem é você?”, aqui voltamos à questão de Caetano estar criticando o jornalista e, paralelamente, falando da falta de visão e tato de muitos estrangeiros em relação às questões profundas do Brasil, como espiritualidade, riquezas naturais, ritualidade, etc. Ele pergunta como se estivesse questionando: quem é você para falar do meu país? Quem é você “que não sentiu o suingue de Henri Salvador, que não seguiu o Olodum balançando o Pelô, que não riu com a risada de Andy Warhol, que não, que não e nem disse que não”. Aqui há várias referências sobre a riqueza cultural do país, mais especificamente da Bahia. Henri Salvador foi um intérprete e compositor francês que se apaixonou pelo Brasil; ele morou em Copacabana e é considerado por muitos como um dos criadores da Bossa Nova. Olodum é um bloco de rua que traz a musicalidade afro em seus tambores. São profissionais da percussão que saem pelas ruas de Salvador, capital baiana, levando seu ritmo. Por último, neste trecho, Caê fala de Andy Warhol, um cineasta que, por volta de 1960, levantou a bandeira do movimento pop-art. Ele ficou conhecido pelo jeito debochado e pela forma com que ironizava as pessoas tradicionais. Caê ainda menciona o “não” de muita gente que recebe o novo, o nega, mas no fundo gosta, “e nem disse que não”.

    “Eu sou um preto norte-americano forte, com um brinco de ouro na orelha”. Aqui, Caê ironiza o jornalista brasileiro que foi morar fora, falava mal do Brasil, mas usava uma de nossas riquezas naturais, o ouro, na orelha.

    Ele também escreve sobre mesclar elementos sonoros das primeiras manifestações musicais brasileiras ao moderno e o divisor de águas que isso iria criar (e criou) na arte nacional: “Eu sou a flor da primeira música, a mais velha, a mais nova espada e seu corte”.

    E começa a dar novas referências: “Sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá Gogóia, seu olho me olha mas não me pode alcançar”. Caetano aqui continua falando sobre música, especificamente sobre a de Raul Seixas (Gitá), e deseja mostrar que no Brasil, artistas estariam criando e reinventando um novo jeito de fazer música, introduzindo inclusive o rock.

    “Não tenho escolha, careta, vou descartar”. Essa é (em minha opinião) a melhor parte da letra da canção Reconvexo. Nessa parte, Caetano “surta” e descarta de cara quem não conhece a fundo o Brasil e quer sair falando mal do país aos quatro ventos. Então, ele tira do rol de suas preferências “Quem não rezou a novena de Dona Canô, quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor, quem não amou a elegância sutil de Bobô, quem não é Recôncavo e nem pode ser reconvexo”. Vou esclarecer as referências acima mencionadas: Dona Canô dispensa explicações, pois é a mãe de Caetano e Bethânia. Joãozinho Beija-Flor foi um carnavalesco maranhense que revolucionou o jeito de fazer carnaval no Rio de Janeiro. Ele trabalhou com diversas Escolas de Samba na capital fluminense. E Bobô foi um jogador de futebol do Bahia que, juntamente com a equipe, levou o Campeonato Brasileiro em 1988.

    Bom, deixei as referências e a análise sobre a música Reconvexo de Caetano Veloso, que foi gravada por Maria Bethânia em 1989 em formato de vinil ainda. Inclusive, o nome da música foi o nome do disco. Posteriormente, Caetano também gravaria a canção, colocando sua cara.

  • Gusttavo Lima comemora 32 anos e presenteia o público com lançamento do single “Nota de Repúdio”

    Gusttavo Lima comemora 32 anos e presenteia o público com lançamento do single “Nota de Repúdio”

    “Nota de Repúdio” é o single escolhido por Gusttavo Lima para abrir os trabalhos de divulgação do seu novo DVD “Buteco in Boston”, gravado durante o evento que reuniu mais de 15 mil pessoas no campo do Aeroporto de Fitchburg, em Boston (Estados Unidos). O lançamento do áudio nas plataformas digitais (ouça aqui) e do videoclipe no YouTube (confira aqui) acontece no dia 3 de setembro (sexta-feira), data que marca também o aniversário de 32 anos do sertanejo.

    Com batidas bem marcadas, a romântica “Nota de Repúdio” tem letra assinada por Edu Moura, Felipe Viana, Thales e Davi Matheus e traz a resposta de uma pessoa que vai a público manifestar sua indignação após se sentir substituída por outro alguém poucos dias após o término do relacionamento.

    “Pra mim, é motivo de muita felicidade apresentar esse primeiro conteúdo do nosso DVD de Boston ao público no dia em que completo mais um ano de vida. Espero que todos vocês curtam bastante ‘Nota de Repúdio’ e as demais canções que estão vindo por aí, pois esse novo álbum é mais um trabalho feito com muito amor e carinho e está incrível. Com toda certeza, ele será um grande marco da minha trajetória”, comenta Gusttavo Lima que atraiu para o Buteco in Boston o maior público de um cantor sertanejo nos Estados Unidos.

    O DVD “Buteco in Boston” deve contar com 20 faixas, sendo 15 inéditas e cinco regravações. Com lançamento pela Sony Music e Balada Music, o álbum registrado na maior estrutura já montada nos EUA para um brasileiro traz a participação especial do astro norte-americano Prince Royce na canção “Veneno”.

    Letra: “Nota de Repúdio” – Gusttavo Lima
    Edu Moura, Felipe Viana, Thales, Davi Matheus

    Através desse
    Venho comunicar
    Que quem eu chamava de amor semana passada veio me largar
    Por intermédio de alguém na noite de ontem
    Fui notificado
    Que ela estava com alguém
    Visivelmente apaixonado

    Eu venho a público manifestar minha indignação
    Nota de repúdio pra quem não dá valor a um coração
    Uma semana é pouco demais para ter me trocado

    Eu saí prejudicado

    Fonte: Great Assessoria e Comunicação

  • Uma análise sobre “Um Índio”, de Caetano Veloso

    Uma análise sobre “Um Índio”, de Caetano Veloso

    As composições de Caetano Veloso das décadas de 80 e 90 trazem profundas reflexões e mensagens ocultas a serem desvendadas. “Um Índio” é um dos enigmas do artista. Lançada no álbum “Bicho”, ela abre o lado B de um dos discos mais épicos do baiano.

    “Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
    De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
    E pousará no coração do hemisfério sul
    Na América, num claro instante
    Depois de exterminada a última nação indígena
    E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
    Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”

    Na primeira parte da canção, Caetano Veloso fala sobre um ser com poderes especiais que virá à América do Sul. Ele chama o ser “Um Índio” nome da música. Nessa parte o cantor expõe que este ser já exterminou todos os continentes da terra e falta apenas “o coração do hemisfério sul, na América”.

    “Virá
    Impávido que nem Muhammad Ali
    Virá que eu vi
    Apaixonadamente como Peri
    Virá que eu vi
    Tranqüilo e infalível como Bruce Lee
    Virá que eu vi
    O axé do afoxé Filhos de Gandhi
    Virá”

    No refrão apocalíptico, Caetano compara a perfeição do ser vindouro a Muhammad Ali, o pugilista considerado um dos maiores no esporte.

    Cassius Marcellus Clay era seu primeiro nome, no entanto, após se converter ao Islamismo, o boxeador mudou seu nome para Muhammad Ali-Haj. O esportista também gravou dois discos musicais e lutou contra o racismo, e quando esteve em Louisville para apoiar a luta da população local por moradia, declarou: 

    “Por que me pedem para vestir um uniforme e me deslocar 10.000 milhas para lançar bombas e balas no povo marrom do Vietnam, enquanto os negros de Louisville são tratados como cachorros, sendo-lhes negados os mais elementares direitos humanos? Não, não vou viajar 10.000 milhas para ajudar a assassinar e queimar outra nação pobre para que simplesmente continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura mundo afora. É hora de tais males chegarem ao fim.

    Fui avisado de que essa atitude me custaria milhões de dólares. Mas eu já disse isso uma vez e vou dizer de novo. O inimigo real do meu povo está aqui. Não vou desgraçar minha religião, meu povo ou a mim mesmo tornando-me um instrumento para escravizar aqueles que estão lutando por justiça, liberdade e igualdade…

    Se eu pensasse que a guerra traria liberdade e igualdade a 22 milhões de pessoas do meu povo, eles não precisariam me obrigar, eu me juntaria a eles amanhã mesmo. Não tenho nada a perder por sustentar minhas crenças. Então, vou para a prisão, e daí? Nós estivemos na prisão por 400 anos.”

    Caetano também compara o ser a Peri, um índio, personagem fictício do romance ‘O Guarani’, de José de Alencar. No conto, Peri abandona seu povo para viver uma história de amor com uma branca.

    E Caetano Veloso continua a fazer comparações: “Tranqüilo e infalível como Bruce Lee”. Nessa parte muitos religiosos associam a comparação ao papado, e pelo título “infalível” que o compositor deu a Bruce Lee, outros comparam à besta do apocalipse, usando menções bíblicas para argumentar a tese.

    Bruce Lee foi o maior representante da arte marcial chinesa Kunk Fu que passou pelas telas de Hollywood, onde seus filmes históricos o aclamaram como maior e mais infalível lutador de artes marciais.

    O grupo Filhos de Gandhi, que Caetano menciona ao final do refrão, refere-se a um dos maiores grupos de afoxé, tendo seu surgimento em 1949, em Salvador (BA). O grupo mescla elementos da cultura africana ao induísmo, inspirados no líder ativista político Mahatma Gandhi, que militou pela paz mundial.

    “Um índio preservado em pleno corpo físico
    Em todo sólido, todo gás e todo líquido
    Em átomos, palavras, alma, cor
    Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
    Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
    Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
    E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
    Não sei dizer assim de um modo explícito”

    Já na segunda estrofe da canção, Caetano Veloso faz uma analogia ao ser que virá, sendo ele existente no plano real, puro, bondoso, poderoso e misericordioso, que tomará atitudes nunca tomadas em todo o universo; atitudes não tomadas por todos os seres viventes que passaram e/ou passarão pela terra.

    “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
    Surpreenderá a todos não por ser exótico
    Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
    Quando terá sido o óbvio”

    Caetano termina o enigma musical deixando nas entrelinhas que ao se revelar, “o índio” deixará todos de queixo caído, pelo fato de estar o tempo todo entre nós e não o notarmos.

    Tire suas conclusões, ouça aqui a música “O Índio”, de Caetano Veloso.