‘O Português é anterior a Portugal’: entrevista com o escritor lusitano Jorge Filipe Cruz e a profundidade da nossa língua

‘O Português é anterior a Portugal’: entrevista com o escritor lusitano Jorge Filipe Cruz e a profundidade da nossa língua

Jorge Filipe Cruz (@lmeirapcruz no Instagram), nascido em 23 de abril de 1971 em Barcelos, é um escritor que transiciona entre a tecnologia e a literatura. Formado em Engenharia Eletrônica e Informática, com um Mestrado na mesma área, Cruz combina sua carreira como professor de Informática com a produção literária. Suas obras exploram a profundidade e a riqueza da língua portuguesa, refletindo uma compreensão da cultura e da história do idioma.

O conceito de que “o português é anterior a Portugal” (Niskier, 2023) nos leva a refletir sobre a rica história da língua portuguesa. Desde os tempos das grandes navegações, quando Portugal se tornou uma potência marítima, a língua portuguesa se espalhou e influenciou diversas partes do mundo. Fundado em 1139 e reconhecido como tal em 1143 – Tratado de Zamora, o Reino de Portugal estabeleceu o português como língua oficial em 1290, mas o idioma já tinha raízes profundas na Península Ibérica.

Atualmente, a lusofonia conecta continentes e culturas, englobando países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Guiné Equatorial, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, além de comunidades em locais como Estados Unidos, Canadá e Macau, bem como ainda em outros locais onde existam descendentes de portugueses e/ou pessoas que ainda sintam afinidades culturais. A língua portuguesa desempenha um papel crucial na promoção da cultura e no fortalecimento de laços econômicos e culturais entre essas nações.

A literatura de Jorge Filipe Cruz reflete essa riqueza cultural. Seus livros, como “Felicidade” e “Sentir, Sentido”, revelam uma sensibilidade única para a experiência humana através da linguagem. Seu primeiro livro de contos infantis, “Aventuras na Quinta”, mergulha no universo da imaginação, oferecendo histórias que encantam jovens leitores, bem como um livro de conto de Natal que nos leva a um mundo do sobrenatural e da vontade de compreender a nossa existência, “O Segredo das Estrelas”.

Em uma entrevista exclusiva ao Mais Minas, teremos a oportunidade de explorar mais a fundo a visão de Cruz sobre a língua portuguesa, sua obra e o impacto da lusofonia. Não perca a chance de conhecer o autor e suas perspectivas sobre o papel fundamental do português na cultura global.

Jorge, inicialmente, agradeço a sua disponibilidade em conceder essa entrevista ao Mais Minas. Você é formado em Engenharia Eletrônica e Informática e, também, é Mestre na área. Como essas experiências influenciam sua escrita e sua visão literária?

Obrigado pelo convite e é um gosto estar aqui a conversar consigo.
Sim, sou de uma área ligada às tecnologias, mas desde pequeno que a minha imaginação sempre foi fértil e me permitia imaginar personagens, cenários e acima de tudo dar uma cor diferente à vida. A ciência faz parte de mim. Sempre gostei e fiquei fascinado por tudo o que ia para lá do perceptível, do que era visível ao olhar. É nessa visão que escrevo e falo sobre assuntos diversos em poesias, nos contos e em futuras obras que possa escrever.

Seu trabalho literário explora a língua portuguesa. O conceito de que “o português é anterior a Portugal” é fascinante. Como você vê a evolução da língua portuguesa ao longo da história e seu impacto na sua obra?

Sim, como português é a minha língua nativa e é nela que expresso. A língua portuguesa, como refere, só em 1290 é que se tornou oficial. No entanto, nesta região onde nasci e moro, já se falava o que hoje é referido como o Galaico-Português um idioma que veio a dar origem à língua portuguesa. Vejo com agrado que tem vindo a crescer, nem sempre bem-organizada, mas ultimamente com um maior querer de todas as nações que falam português, num querer organizar melhor o que é falado e escrito para uma melhor compreensão de todos. Palavras que num determinado lugar têm uma determinada conotação, noutro sítio podem ter sentidos diferentes.

Escrevo de uma forma simples e de fácil percepção para que quem leia as minhas obras consiga interpretar, se bem que em poesia pode ser tudo diferente, sem ambiguidades.

A lusofonia é uma comunidade rica e diversificada. De que maneira você acredita que a língua portuguesa une diferentes culturas e como isso se reflete nos seus livros? Você pensa em difundir a sua obra no que podemos chamar de “mercado lusófono literário”?

Sim, a lusofonia como refere é rica e diversificada. O que contribui para enriquecer mais a língua. É através da literatura que podemos melhor compreender as diferentes culturas. Tenho, como todos, opiniões e gostos e nesse contexto, apesar de não ter saído tantas vezes como gostava de Portugal, para conhecer essas culturas, considero que ao ler fico imbuído de um espírito diferente e consigo situar-me nesses lugares.

Gostava que um dia as minhas obras pudessem ser difundidas nesse espaço lusófono, bem como noutros lugares.

“Felicidade” e “Sentir, Sentido” são coletâneas de poesias. O que você deseja transmitir através de sua poesia, e como você aborda a criação poética?

Na altura em que escrevi essas poesias, foi uma necessidade interior de exteriorizar o que sentia do mundo que me rodeava. Pretendo transmitir sensações, reflexões e visões sobre aspetos da vida, acima de tudo. Conheci pessoalmente uma pessoa na Feira do Livro de Lisboa que referiu que o que escrevo vai ao encontro do que sentimos.

Escrevo sobre temas diferentes e sinto-me envolvido nas minhas criações. Podem ser demoradas ou não, mas nascem de situações do dia e do que sinto.

“Aventuras na Quinta” é sua primeira obra de contos infantis. O que o inspirou a escrever para o público jovem, e como você desenvolveu os personagens e histórias do livro?

Sempre fui muito mais criativo, como já referi, em criar personagens e momentos diferentes que fujam mais ao real, envolvendo a realidade. Para este livro, os contos nasceram de forma natural. Estava numa fase de vida em que precisava de algo diferente. Assim, essas personagens têm tudo a ver com o que naquele período vi e vivenciei. A minhoca, a formiga, a cobra, o cão, as abelhas, as toupeiras, bem como as aves são reais e inspiraram-me na criação desses contos. A natureza pode dar-nos tudo que precisamos para explorar na escrita mundos diferentes.

Como professor de Informática, você desenvolve futuros profissionais na área tecnológica. Você vê alguma conexão entre sua carreira acadêmica e sua abordagem na escrita?

É uma pergunta muito interessante. Todos os alunos que nestes dois últimos anos me acompanharam neste processo de publicações tiveram um papel importante, mesmo que não o saibam no meu crescimento não só como professor, mas também como escritor (autor). O livro “Felicidade”, o primeiro, foi por eles, em conjunto com a professora de Português, bem como com a professora bibliotecária que organizou toda a sessão, apresentando na biblioteca da escola, foi a minha apresentação como autor e eles contribuíram decisivamente, bem como outros alunos que estiveram envolvidos, para um dia memorável e acima de tudo para querer continuar a escrever e a publicar. Esses alunos, bem como os atuais, que já tiveram também um papel importante no livro de conto de Natal, “O Segredo das Estrelas”, onde fizeram uma leitura conjunta e foi algo sublime, também. Todos os alunos tiveram acesso às publicações que foram saindo. Podem não as ter todas, mas aquelas obras que têm é uma parte de mim que fica para sempre na vida deles, bem como eles ficam na minha.

Quais são os desafios e as recompensas de manter uma carreira na literatura enquanto trabalha em um campo tão técnico e diferente?

Sim, é verdade não sou das letras, mas das ciências. O que me ajuda a libertar a minha mente para outros horizontes.

A minha entrada no mundo da literatura vem desde novo, mas nunca me atrevi e pensei que um dia iria publicar algum livro. Por circunstâncias que a vida nos dá, resolvi nos últimos anos que deveria publicar o que ia escrevendo e foi assim que comecei a publicar estas obras.

Quando estou a escrever, é um novo capítulo que se abre na minha mente, onde a minha profissão deixa de estar presente e só ali está a imaginação, as sensações, as partilhas e os sentimentos que fluem.

As recompensas podem ser várias, mas assumo como principal quando as pessoas lerem as obras, mesmo que não seja o género que mais gostam, e darem-me retorno para mim é fundamental.

Em sua opinião, qual é o papel da literatura na preservação e promoção da cultura portuguesa e lusófona?

Todas as pessoas deviam escrever. Cada um tem algo diferente a acrescentar. Essa adição positiva leva a que possamos conhecer o que existe, descobrir o que está ali, mas que desconhecemos e depois a cultura é feita por todas as pessoas que a transmitem no tempo, deixando um legado.

Você tem algum projeto literário futuro que possa compartilhar com nossos leitores? O que podemos esperar de você a seguir?

Tenho mais uma obra de contos infantis pronta para publicação, talvez em 2025, bem como mais outras duas, do mesmo género, terminadas. A literatura veio para ficar e irei publicar com toda a certeza em outros géneros literários. Posso vir a publicar na minha área, ainda em estudo, um livro técnico ligado à área das linguagens de programação.

Por fim, se você pudesse dar um conselho a jovens escritores que estão começando, qual seria?

Não é bem um conselho, mas devemos estar preparados para as dificuldades que o nosso trabalho poderá ter na aceitação das editoras e dos leitores. Encontrar o nicho certo, evoluir e saber ouvir. Podemos ter um excelente trabalho, mas se não nos derem oportunidades, temos que as criar para dar a conhecer o nosso trabalho.

Nunca devemos desistir!

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