Tarifas abusivas, desrespeito ao patrimônio histórico tombado da cidade, falta de um abastecimento contínuo e de qualidade são as principais reclamações da população de Ouro Preto com a atuação da Saneouro, que ganhou um processo licitatório ainda em 2019 para ser a responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto na cidade. Desde maio, as simulações das tarifas do serviço começaram a chegar nas casas dos ouro-pretanos, que se revoltaram com o valor simulado.
Antes da concessão do abastecimento da água e tratamento de esgoto, em Ouro Preto, era cobrado uma tarifa básica no valor de R$ 22 para residências, comércio ou indústria, e não havia medição do consumo por parte da autarquia municipal SEMAE. A Saneouro instalou os hidrômetros e fez simulações das novas contas, que geraram uma enorme insatisfação de grande parte dos ouro-pretanos, tendo residências com apenas dois moradores recebendo faturas de até R$ 300.
O superintendente da Saneouro, Cléber Salvi, esteve na Câmara Municipal para explicar a estrutura tarifária. Além disso, ele mostrou que, em média, o que se gasta de água em Ouro Preto é uma quantidade muito maior comparando com outras cidades e, portanto, segundo ele, a hidrometração contribuiria para que não houvesse um uso desmedido do recurso hídrico das casas e também não prejudicasse as pessoas que utilizam a água de uma forma consciente. Além disso, de acordo com o representante a companhia, a cidade tinha apenas 1% de seu esgoto tratado e, apesar de terem recebido todas as instalações do SEMAE, havia-se muito trabalho para fazer na cidade.
A insatisfação por grande parte da população foi tão grande que levou à Câmara Municipal criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em maio, para investigar o contrato de concessão dos serviços de água e esgoto para a empresa ainda em janeiro do ano passado. A CPI da Saneouro teve 12 reuniões e já contou com seis depoentes: o professor aposentado do departamento de engenharia civil da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Jorge Adílio Penna; o superintendente da Saneouro, Cléber Salvi; diretor-geral da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico (ARISB), Ananias Ribeiro de Castro; o ex-superintendente do SEMAE e ex-diretor-presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Ouro Preto (ARSEOP), Júlio César Corrêa, o ex-presidente do Conselho Municipal de Saneamento (COMUSA), Ronald de Carvalho Guerra e o ex-diretor de gestão do SEMAE Ouro Preto, Rafael Brito de Figueiredo.
No depoimento de Jorge Adílio Penna, possíveis irregularidades na licitação foram apontadas. Nas discussões do Conselho Municipal de Saneamento, a previsão era que as tarifas gerais fossem 20% menores que as praticadas pela Copasa. Porém, no edital, havia esse percentual apenas para a tarifa social destinadas às famílias de baixa renda no município.
Na categoria residencial, as cobranças variam conforme o consumo mensal: na faixa de 0 a 10 m³, o valor é de R$ 3,16 por m³, já de 10 a 15 m³, é cobrado R$ 6,50, e acima de 40m³, passa para R$ 14,27. Na Copasa, que atende a maioria dos municípios de Minas Gerais, o valor para a água na primeira faixa é de R$ 1,63 por metro cúbico e na última é de R$ 12,75. “Essa é a maior revolta de toda a população, não é justo que Ouro Preto pague uma conta tão alta e desproporcional com a nossas cidades vizinhas”, disse o vereador e presidente da CPI, Matheus Pacheco (PV).
Outro problema apontado nas reuniões da CPI foi a ausência de uma agência reguladora para acompanhar o processo de licitação e as normas para atuação da empresa, que só foi criada no município após a concessão. Quando Cléber Salvi esteve presente no Plenário, o superintendente da Saneouro fez questão de frisar por diversas vezes que a companhia conseguiu vencer o processo licitatório e apenas cumpre com o que foi estabelecido no edital que foi feito pela própria Prefeitura de Ouro Preto na gestão passada, chefiada pelo ex-prefeito, Júlio Pimenta.
Assim como Ananias Ribeiro e Júlio Corrêa informaram, a estrutura tarifária praticada em Ouro Preto tem a da Copasa, que é utilizada na maioria dos municípios mineiros, como referência. Para Ronald Guerra, o problema não é o valor da tarifa e sim a baixa disponibilização da tarifa social, que hoje é praticada por apenas 5% da população. Segundo o ex-presidente do COMUSA, tal valor deveria ser muito maior, tendo em vista a quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico.
Promessa do prefeito
Uma das várias polêmicas envolvendo o caso é o fato do atual prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), ter prometido tirar a Saneouro da cidade em sua promessa de campanha, o que não aconteceu até o momento. Porém, o chefe do poder Executivo do Município alega que os trâmites legais para conseguir cumprir tal promessa são demorados e que um corpo jurídico e técnico está trabalhando para que a companhia seja retirada da cidade.
Angelo Oswaldo está em seu quarto mandato em Ouro Preto e foi o fundador do SEMAE, autarquia que pretende refundar na cidade para praticar tarifas acessíveis aos ouro-pretanos, tendo como referência a estrutura tarifária utilizada pelo SAAE do município vizinho, Itabirito, que cobra uma taxa de R$ 26. Porém, um problema já apontado na CPI por Júlio Corrêa é a falta de pagamento da população da tarifa básica operacional na época do SEMAE, que também aumentou o estado precário da companhia municipal.
Revolta popular
Diversas manifestações populares estão sendo feitas em Ouro Preto na tentativa de tirar a Saneouro da cidade. As comunidades dos bairros Vila Aparecida, Pocinho, São Cristóvão e do distrito de Santo Antônio do Salto impediram os funcionários da companhia de hidrometrar as casas. Além disso, a união de vários bairros e distritos ouro-pretanos produziu uma carta entregue à Saneouro e Prefeitura Municipal.
De acordo com Cléber Salvi, a cobrança da tarifa definitiva da água tem previsão de início para este mês, com 90% da cidade hidrometrada e com quatro simulações já feitas nas residências. Ainda segundo o superintendente da Saneouro, a sede já teria recebido praticamente todas as instalações para começar a cobrar a conta de água e esgoto, faltando apenas alguns distritos.
A Ocupação Chico Rei está acampando na Praça Tiradentes há mais de 40 dias com faixas escrito “Fora Saneouro” e prometem não sair de lá até a empresa sair da cidade. Além disso, diversas manifestações foram feitas ao longo de todo o ano de 2021, tendo uma caminhada partindo da Rua dos Inconfidentes e indo até a Praça Tiradentes.
Depredação do patrimônio
Depois de várias denúncias de moradores revoltados com a depredação das calçadas de 300 anos para a instalação dos hidrômetros dentro da região tombada, o processo de hidrometração foi paralisado pela Prefeitura Municipal. A fiscalização verificou a situação e entre os dias 17 e 23 de junho e foram aplicadas 27 multas à Saneouro. Cada instalação inadequada recebeu uma multa de R$ 1.983, que correspondente a 20 UPMs, além da obrigação de refazer os serviços.
Depois disso, ficou definido que um profissional da área de tombamento fosse contratado pela empresa afim de inspecionar os trabalhos de hidrometração no centro histórico da cidade. Além disso, a Secretaria de Cultura e Patrimônio acordou em realizar oficinas com os funcionários da Saneouro para passar a informação da importância do lugar em que há a instalação dos hidrômetros e para mostrar como realizar os trabalhos da melhor maneira no local.