A decisão judicial que confirmou a demissão por justa causa de uma técnica de enfermagem grávida em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais, tem gerado debates sobre os limites legais da estabilidade gestacional e a responsabilidade profissional em áreas de saúde. A trabalhadora, dispensada após uma falha grave no monitoramento de um medicamento vital para uma paciente em estado crítico, questionou a validade da decisão, argumentando que sua gravidez deveria garantir a manutenção de seu vínculo empregatício. O caso, que envolve um erro fatal no cuidado de um paciente, destaca a complexidade dos direitos das gestantes no Brasil, especialmente quando há faltas graves no desempenho das funções.
Em julho de 2024, a técnica de enfermagem estava encarregada de administrar a noradrenalina, medicamento essencial para a aceleração dos batimentos cardíacos de uma paciente internada na UTI. A profissional não conseguiu monitorar adequadamente o processo, o que resultou no atraso na infusão e na interrupção do tratamento. A falha foi diretamente ligada à morte da paciente, um evento trágico que levou à decisão da instituição de saúde de rescindir o contrato de trabalho da funcionária por justa causa.
O hospital sustentou que a técnica havia descumprido os procedimentos internos essenciais para garantir a segurança do paciente. De acordo com testemunhas, a técnica não preparou a medicação antes do término da infusão anterior, o que causou atraso na administração e não seguiu os protocolos de urgência exigidos pelo hospital.
O juiz responsável pela sentença, Edmar Souza Salgado, considerou que a falha foi de extrema gravidade, apontando a negligência da funcionária e o comprometimento da confiança necessária para a continuidade do vínculo empregatício. O magistrado também destacou que já havia um histórico de advertências à trabalhadora, uma vez que ela havia cometido o mesmo erro em outras ocasiões, o que reforçou a validade da dispensa por justa causa.
A técnica de enfermagem, ao ser demitida, alegou que estava grávida e que a decisão violava seu direito à estabilidade gestacional, previsto no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Segundo a trabalhadora, sua demissão não teria sido justa, já que ela não teria cometido falta grave suficiente para justificar a rescisão do contrato de trabalho.
No entanto, a sentença rejeitou essa alegação, esclarecendo que, embora a legislação brasileira proteja as empregadas grávidas contra demissões sem justa causa, essa proteção não se estende a casos em que a trabalhadora comete faltas graves. A estabilidade gestacional não impede a dispensa quando é comprovado que a empregada praticou atos que comprometem gravemente as obrigações do contrato de trabalho.
O setor da saúde, especialmente nas áreas de enfermagem, exige alto nível de responsabilidade dos profissionais, dado o impacto direto que suas ações podem ter na vida dos pacientes. A administração correta de medicamentos, principalmente em unidades como a UTI, é uma das funções mais críticas, pois qualquer erro pode resultar em consequências irreversíveis. O juiz enfatizou que a técnica de enfermagem, ao não priorizar a administração do medicamento vital, cometeu uma falta grave que não poderia ser ignorada. “A administração de medicamentos é uma das maiores responsabilidades da equipe de enfermagem na implantação da terapêutica médica, ainda mais quando estes dão suporte à vida de seus pacientes”, ressaltou o juiz.
A falha no monitoramento da bomba de infusão não só prejudicou a paciente diretamente, mas também colocou a reputação e a responsabilidade do hospital em risco. A decisão judicial reflete a seriedade com que erros profissionais são tratados no setor, principalmente quando envolvem a vida de pacientes em condições graves.
Apesar da decisão desfavorável, a técnica de enfermagem recorreu da sentença, aguardando julgamento no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG). A expectativa é que o recurso reexamine a validade da demissão e leve em consideração a alegação de gravidez, além de reavaliar os argumentos sobre a justa causa.
Especialistas em direito do trabalho alertam que, embora a estabilidade gestacional seja um direito legítimo das trabalhadoras, ela não deve ser vista como uma proteção contra todas as circunstâncias de rescisão contratual. “A estabilidade garantida por lei não deve ser confundida com uma blindagem contra qualquer forma de penalização. Faltas graves devem ser tratadas com seriedade, especialmente em áreas onde vidas estão em jogo”, comentou uma especialista em direito trabalhista.