Uma grave falha no sistema eleitoral permitiu que Gasparino Lustosa Azevedo, condenado a 10 anos de prisão por estupro de vulnerável, fosse eleito suplente de vereador em Sebastião Barros (PI) nas eleições municipais de 2024. O erro, resultante da ausência de registro de sua condenação na Justiça Eleitoral, expõe fragilidades no processo de comunicação entre o Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) e o sistema eleitoral brasileiro, trazendo à tona questões importantes sobre a integridade e segurança do processo democrático.
Erro compromete integridade eleitoral
A situação que envolve Gasparino Lustosa Azevedo não é isolada, mas representa um dos mais sérios incidentes de falha na aplicação da Lei da Ficha Limpa, legislação criada para impedir a candidatura de pessoas condenadas por crimes graves, como corrupção e estupro. A candidatura de Gasparino só foi possível porque sua condenação de 2019 por estupro de vulnerável não foi registrada adequadamente no sistema eleitoral, permitindo que ele se lançasse ao cargo de suplente.
De acordo com o especialista em direito eleitoral Wallyson Soares, o caso evidencia uma falha preocupante de comunicação entre os órgãos responsáveis pela integridade do processo eleitoral: “Isso é algo que não poderia acontecer. A ausência do registro da condenação impede a correta aplicação da Lei da Ficha Limpa, o que compromete o processo eleitoral”. Para ele, o erro destaca a necessidade de melhorias nos sistemas de integração de dados entre o Judiciário e a Justiça Eleitoral, e também exige que os partidos políticos sejam mais rigorosos na verificação dos antecedentes de seus candidatos.
A Lei da Ficha Limpa e seus desafios
Promulgada em 2010, a Lei da Ficha Limpa foi uma conquista popular, criada para impedir que candidatos condenados em segunda instância ou com crimes graves no currículo pudessem concorrer a cargos públicos. A lei prevê a inelegibilidade de candidatos condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e, no caso de Gasparino, estupro de vulnerável. No entanto, como destaca Wallyson Soares, “qualquer falha no sistema que permita que um condenado passe despercebido enfraquece a integridade da lei e o processo eleitoral como um todo”.
Para impedir que casos como o de Gasparino se repitam, seria essencial que a comunicação entre o TJPI e a Justiça Eleitoral fosse aprimorada. Embora o erro tenha sido identificado e corrigido, permitindo a exclusão da candidatura após o resultado das eleições, a falha inicial permitiu que o condenado obtivesse a posição de suplente, colocando em dúvida a eficácia do sistema.
Problema sistêmico no Brasil
O caso de Gasparino Lustosa Azevedo não é isolado. Um levantamento recente realizado pelo G1 revelou que outros candidatos com pendências judiciais também conseguiram se candidatar e, em alguns casos, foram eleitos. Entre os casos relatados estão:
- Gilvan (MDB), eleito vereador de Lagoinha do Piauí (PI), foi condenado por atropelar e matar uma pessoa em 2021.
- Marco Aurelio (Republicanos), eleito vereador de Paty do Alferes (RJ), é procurado por dever pensão alimentícia.
- Celmar Mucke (União), suplente em Tupanci do Sul (RS), foi condenado por estupro de vulnerável, com a candidatura registrada antes da condenação se tornar definitiva.
Esses casos revelam a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro, que ainda depende de atualizações manuais e comunicação eficiente entre múltiplos órgãos judiciais. A ausência dessas integrações coloca em risco a integridade do processo eleitoral, abrindo brechas para candidatos inelegíveis ou com pendências judiciais assumirem cargos públicos.
Implicações jurídicas e políticas
O Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), ao tomar conhecimento do erro, anunciou que corrigiu a falha no sistema e instaurou uma sindicância para investigar o que aconteceu. A assessoria de imprensa do tribunal informou que “situações como essa nunca haviam sido relatadas” e que uma análise mais aprofundada está em andamento para evitar novas ocorrências.
Para especialistas, a responsabilidade também recai sobre os partidos políticos, que devem verificar a elegibilidade de seus candidatos. “Os partidos têm um papel fundamental na verificação dos dados de seus filiados e candidatos. Eles não podem confiar apenas no sistema”, aponta Soares. Ele destaca que, em casos como o de Gasparino, uma ação rápida de impugnação da candidatura deveria ser desencadeada assim que o erro fosse identificado, garantindo que o candidato inelegível fosse retirado da disputa eleitoral.