Recentemente, escrevi uma análise aqui para o Mais Minas sobre “Coringa 2” (ou “Joker 2”), um filme que, embora tenha seus méritos, falha ao atingir um ponto de clareza e conexão com o público. Mas, ao lado de roteiros confusos e que se distanciam de seu público-alvo, há produções que merecem destaque, como é o caso da série “Agatha Desde Sempre” (“Agatha All Along”), baseada na personagem de Stan Lee e Jack Kirby, que mostra como um roteiro bem desenhado pode transformar uma figura dos quadrinhos em uma narrativa televisiva cativante.
Diferente de “Coringa 2”, cuja linguagem e abordagem psicológica talvez tenham sido ajustadas a um público adulto e com familiaridade na psicanálise, “Agatha Desde Sempre” utiliza a personagem de Agatha Harkness para atrair um público específico: pessoas fascinadas por mistérios, humor e fantasia, além de fãs do universo Marvel. Os roteiristas – Jac Schaeffer, Laura Donney, Cameron Squires, Giovanna Sarquis, Laura Monti, Jason Rostovsky, Gia King e Peter Cameron – foram cuidadosos ao criar um roteiro que dialoga diretamente com seu público-alvo.
A série foca na ambiguidade de Agatha, uma personagem que transita entre o antagonismo e o humor, permitindo ao espectador explorar diferentes características de sua personalidade. Este equilíbrio só é possível porque os roteiristas compreenderam a identidade da personagem e souberam como transitar entre uma vilania carismática e uma vulnerabilidade que aproxima Agatha do público. Essa habilidade de entendimento sobre o que se quer comunicar e para quem é direcionada a mensagem é um dos pontos que torna o roteiro tão cativante e assertivo.
O roteiro da série utiliza diálogos que são ao mesmo tempo afiados e informativos, cumprindo uma das principais funções da escrita audiovisual: fazer avançar a história enquanto constroi o caráter da protagonista. Um bom exemplo disso é como os diálogos refletem a astúcia de Agatha, misturando ironia e sagacidade. Esse recurso permite que o público entenda o subtexto das intenções da personagem sem que a série precise recorrer a explicações didáticas.
A clareza na comunicação, a que se referem às noções de emissor e receptor aprendidas no ensino fundamental, é um dos pontos altos do roteiro de Agatha. A equipe de roteiristas garante que a mensagem de cada cena, seja de suspense ou de humor, seja sempre transmitida de maneira eficaz, o que permite ao público entender o enredo e, ao mesmo tempo, se surpreender com reviravoltas e segredos revelados ao longo dos nove episódios.
Outra virtude do roteiro é sua habilidade de respeitar as referências da personagem sem se limitar a elas. “Agatha Desde Sempre” é inspirada nos quadrinhos, mas não se limita a reproduzir as histórias da personagem; os roteiristas inserem novos elementos à trama que dá a Agatha uma identidade própria dentro do universo audiovisual. Esse processo de adaptação é um dos desafios mais complexos para roteiristas, pois exige um equilíbrio entre fidelidade e inovação.
Ao escrever o roteiro, os autores também souberam respeitar a bagagem dos fãs dos quadrinhos, mas também moldaram Agatha para um público mais amplo, que não necessariamente conhece o histórico da personagem. Esse cuidado não é comum em todas as adaptações, e é exatamente esse fator que distancia um roteiro fraco de um bem-sucedido. No caso da série, o público se vê instigado a querer conhecer mais da história da personagem, justamente porque o roteiro soube transformar referências em identidade própria, conquistando tanto fãs quanto espectadores novos.
Além do texto falado, o roteiro também ganha vida através da linguagem visual, criando um ambiente sombrio e, ao mesmo tempo, mágico e repleto de referências. Não à toa, o sétimo episódio conseguiu atingir a marca de 4,2 milhões de espectadores em apenas 24 horas de disponibilidade, segundo a Disney. Cada cena é planejada de forma a amplificar a ambiguidade moral da personagem, com escolhas de iluminação, figurino e trilha sonora que dialogam diretamente com o roteiro.
Aliás, o sétimo episódio é também um dos mais bem avaliados de todo o Universo Cinematográfico Marvel, de acordo com o IMDb (Internet Movie Database), site que traz informações detalhadas sobre filmes, séries e outras produções audiovisuais. O episódio aparece com avaliação 9.2 no site, ficando atrás apenas do episódio final de “Loki”, que possui avaliação 9.4. Essas conquistas são resultados de um roteiro bem escrito somado a uma ambientação bem construída e uma fotografia cuidadosa, transmitindo ao espectador a sensação de estar diante de uma narrativa complexa, mas que ainda assim é acessível e envolvente.
‘Agatha Desde Sempre” é uma prova de que o roteiro é a alma de uma produção audiovisual. Mesmo com atuações talentosas, uma direção habilidosa e efeitos visuais bem executados, uma série dificilmente tem êxito sem uma escrita sólida e bem planejada. A série acerta ao priorizar a comunicação com seu público, buscando um equilíbrio entre o tom misterioso e o humor característico da personagem, e é por isso que conquista espectadores de todas as idades e preferências.
Enquanto “Coringa 2” pode se ver perdido em meio a um público que não acompanha (ou que não se interesse em acompanhar) suas complexidades, “Agatha Desde Sempre” é uma aula de como construir e comunicar uma narrativa com clareza e emoção, mesmo com baixo orçamento. Essa produção mostra que, quando um roteiro é cuidadosamente pensado e escrito, ele transforma a experiência do espectador, criando uma conexão autêntica com a história. Agatha Harkness, interpretada com maestria, encontra no roteiro de uma extensão de sua personalidade, fazendo dela não apenas uma vilã, mas uma personagem fascinante, pronta para se tornar uma das favoritas do público Marvel.
Assista ao trailer oficial da série: