O Ministério da Saúde divulgou na última quarta-feira, dia 20, um documento que libera, no Sistema Único de Saúde (SUS), o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina mesmo para casos leves de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Até então, o protocolo previa o uso dos medicamentos apenas para pacientes com sintomas graves. O presidente Jair Bolsonaro já tinha anunciado que desejava essa mudança no protocolo. O tema gerou desentendimentos entre Bolsonaro e os dois últimos ministros da Saúde, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Em menos de um mês, os dois deixaram o governo.
O documento divulgado pelo Ministério mantém a necessidade de o paciente autorizar o uso da medicação e de o médico decidir sobre aplicar ou não o remédio. Ainda de acordo com o protocolo, o paciente que quiser ser medicado com cloroquina ou hidroxicloroquina precisa assinar um termo de consentimento. Esse termo avisa que essa medicação pode causar efeitos colaterais graves e até agravar “a condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos”.
Apesar de não se basear em comprovação científica, a ideia de que a cloroquina é eficaz contra o coronavírus ainda é defendida por uma parcela da sociedade. O professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Gustavo Menezes, entende que essa é uma reação compreensível. “O desentendimento sobre a doença gera um sentimento de desespero em várias camadas da sociedade”, afirma o professor. O ceticismo da comunidade científica, em sua avaliação, não pode ser confundido com insensibilidade: “Quando se critica o uso do medicamento, não é um ato de insensibilidade. Mas, por pior que seja a doença, a verdade prevalece”.
Segundo o professor Gustavo Menezes, quando a cloroquina é levada ao teste clínico, não há sustentabilidade de sua eficácia. Ele explica que os relatos individuais envolvendo a melhora de pacientes com a doença não são controlados, ou seja, são frutos do acaso. De acordo com o professor, “o correto, na concepção científica, é continuar buscando alternativas”.
Gustavo Menezes ainda comentou, em entrevista à Rádio UFMG Educativa, a recente mudança de protocolo do Ministério da Saúde em relação ao uso do medicamento: “Quando se toma uma atitude dessas, fica claro que se está tratando a emoção das pessoas e não a doença. Mas esse efeito emocional pode ter um custo muito alto, porque a cloroquina pode piorar a condição do paciente”.
Efeitos colaterais
Alteração do ritmo cardíaco, que piora o quadro de pacientes com cardiopatia, alteração da visão e distúrbios na filtração renal são alguns dos efeitos colaterais observados em pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina. O professor Gustavo Menezes explica à Rádio UFMG Educativa que toda e qualquer medicação possui efeitos colaterais. Um medicamento é considerado eficiente quando os benefícios superam as consequências negativas. “Nos casos de doenças como lúpus e malária, em que a cloroquina tem eficácia comprovada, os riscos justificam o paciente ingerir a medicação. Mas, no caso da Covid-19, isso não ocorre. A ingestão é perigosa.”
Na última segunda-feira, dia 18, a Sociedade Brasileira de Imunologia publicou um parecer científico segundo o qual “ainda é precoce a recomendação de uso desse medicamento na Covid-19, visto que diferentes estudos mostram não ter havido benefícios para os pacientes que utilizaram a hidroxicloroquina. Além disso, trata-se de um medicamento com efeitos adversos graves, que devem ser levados em consideração”.
Já nesta sexta-feira, dia 22, foi publicado um novo estudo realizado com mais de 96 mil pessoas internadas com Covid-19 em 671 hospitais de seis continentes. O ensaio indica que pacientes que usavam hidroxicloroquina e cloroquina tinham mais chances de morrer do que aqueles que não eram tratados com esses medicamentos. Os resultados do maior estudo realizado até agora sobre o assunto foram publicados na revista britânica The Lancet.
O professor Gustavo Menezes, que é um dos especialistas que assinam o documento da Sociedade Brasileira de Imunologia, conversou com a Rádio UFMG Educativa sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e a mudança de protocolo do Ministério da Saúde para o tratamento da doença.